os tarados


perv

estava na praia, a enrolar-me na toalha depois de uns mergulhos e ele de telemóvel espetado, a tirar-me fotografias. nada de novo. no mesmo dia vi uns quatro ou cinco a fazer a mesma coisa. estar de bikini no areal, na índia, não é o mesmo que na caparica. mesmo que seja em goa. sobretudo aos domingos, em que os homens têm tempo livre para ir à praia ver as vistas.

uns dias depois, num passeio de scooter, chegámos a uma praia. ninguém à vista. uns dez minutos depois, passou um casal, de mãos dadas. ele de calções, ela de bikini. atrás, um desfile: três rapazes, em fila indiana (perceberam? na índia, fila indiana…), com um interesse especial no bikini. de tal forma que se distraíram e quase chocaram com a rapariga. pararam, disfarçaram, olharam para as conchas na areia e depois de lhes dar avanço, continuaram o passeio.

em kannur, a espécie de tarados era outra: de vez em quando chegávamos à praia e – sonho! – estava deserta. ninguém à vista. mas aparecia sempre alguém. sempre ao telefone, sempre por perto. ganhei o hábito de chegar, dar uns mergulhos de bikini, vestir a roupa num instantinho e secar a caminho do hotel. havia sempre uma data de rapazes espalhados pela praia, juntinho aos estrangeiros. juntinho. a um ou dois metros. parecendo que não, quando há quatro pessoas numa praia de um quilómetro e aparecem mais sete ou oito e se plantam mesmo ali ao lado, é estranho e desconfortável. um palerma ficava especado à beirinha da água, a fixar uma rapariga e à espera que ela saísse! um outro, mais criativo, esperava à distância que as turistas tirassem a roupa e fossem para a água. depois, ia para perto das roupas e esperava que elas voltassem.

mais para o fim da estadia em kannur, duas irmãs tinham onze rapazes sentados na areia ao lado delas, a um ou dois metros de distância. elas levantaram-se, foram para outra zona da praia e demorou pouco até serem seguidas pelos onze. uma mancha de rapazes de longyi enrolado à volta da cintura, camisa aos quadrados e telemóvel na mão. não falavam com elas, nem sequer olhavam. tiravam fotografias dissimuladamente –achavam eles. mais para o fim, a coisa complicou-se. em alturas diferentes, mandámos um desandar e um amigo nosso, o chris, fez ao mesmo ao rapazote que insistia em tirar fotografias à namorada dele. não resultou, continuaram a sessão fotográfica…

sendo a índia um país muito conservador no que toca ao contacto físico, é quase compreensível que estes rapazes se deslumbrem com a russa que apanhava sol em fio dental mesmo à entrada da praia. não havendo qualquer contacto público entre homens e mulheres, as enchentes no metro em hora de ponta são uma excelente oportunidade para se espalmarem contra elas. o que as safa é a carruagem para mulheres. já nos mercados e escadarias, não temos a mesma sorte. com os acontecimentos mais recentes na índia, em todo o lado se fala de proteger as mulheres e de tomar medidas contra quem não as respeita. sendo estrangeira, estou muito mais protegida do que a mulher “comum” indiana. mesmo assim, há em muitos lugares a noção de que a mulher é um ser com menos direitos. e se ela ali está sozinha, é porque anda a pedi-las. foi mais ou menos o que um quadro superior da polícia disse recentemente na imprensa. há quem se recuse a falar comigo se pode falar com o meu companheiro, ou tome algumas liberdades. fui apanhada desprevenida algumas vezes. há muito boa gente que pede fotografias, sobretudo com bebés. gostam de uma recordação dos estrangeiros que conheceram. quase todos os dias alguém me pede para tirar uma fotografia comigo ou apenas a mim. e eu digo sempre que sim. normalmente faço o mesmo – peço antes de fotografar. já surgiram alguns momentos muito divertidos com uma pequena multidão a posar para mim. fossem crianças, mulheres adultas, guerreiros sikh, rapazes em peregrinação, ou a velhota que me disse “i love you!”. suponho que eu seja uma aparição invulgar para quem vive em lugares mais isolados… quando me espetam uma máquina fotográfica na cara, sem pedir, ou dar uma explicação, já é outra história. alguns homens tomam a liberdade de me colocar a mão à volta da cintura ou no ombro só porque disse que podiam fotografar. primeiro senti-me esquisita se dissesse que não. afinal, em portugal, pareceria um gesto natural. mas depois apercebi-me de que o mesmo nunca aconteceria com uma mulher indiana. não há contacto físico. com a irritação que foi crescendo quanto à liberdade que alguns homens têm de me “empurrar”, de agarrar o braço ou colocar “distraidamente” uma mão na perna, aprendi a defender-me melhor. nas enchentes, ando sempre preparada para dar umas cotoveladas e acertar com a mochila na tromba de um desses tarados. comecei a andar tão consciente dos toques quase discretos que já me desviei de alguns. no outro dia, numa passagem estreita do mercado, senti tocarem-me por trás. dei uma cotovelada libertadora e virei-me para ver e esbofetear o palerma, se fosse preciso. mas desta vez tinha sido a mala de uma senhora e não uma mão indiscreta… oops! ainda bem que não lhe dei com o sapato… as técnicas vão evoluindo: no mesmo dia, vinha um rapaz com pressa, na rua e pediu-me que me desviasse. estendeu a mão mesmo na direção do meu peito e não escapei a tempo. levou um encontrão, mas fica sempre a voltade de lhe dar umas sapatadas – uma grande ofensa na índia, sobretudo se for com o sapato do pé esquerdo. ontem, uma novidade. um jovem entre os vinte e os trinta anos interpelou-nos. ignorou o meu namorado e só falava comigo. queria saber o habitual: de onde sou, a profissão, a cidade, etc. tinha algumas coisas decoradas sobre portugal e recitou-as. depois apresentou-se, eu fiz o mesmo. apertou-me a mão e aproximou-se para me beijar… na boca!!! eu fiquei embasbacada, ele tentou então abraçar-me. com a interferência do meu namorado, lá desapareceu. ao menos podia ter-me convidado para jantar antes de se tornar atrevido… saí dali com um ataque de riso que durou dez minutos… há que apreciar a variedade de estratégias!

8 thoughts on “os tarados

  1. Ok, fico feliz de teres o teu namorado do teu lado. Só fui assediada uma vez na Turquia tb com o namorado ao lado, mas geralmente os muçulmanos são mais respeitadores. De qq modo é sempre desagradável ter de andar com o radar ligado especialmente qdo viajo sozinha. Fico feliz que hajam sinais de mudança e indignação pela condição feminina na India, espero que resulte em mudanças concretas!

diga lá qualquer coisinha